Conversando com o Tio Salim sobre Vendas
29. Figueira e o seu "cliente amigo"
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Hoje vou contar uma história para vocês usando o personagem Figueira da peça teatral do nosso último encontro.
A ACME Tecnologia era uma revenda tradicional no mercado. Vendia produtos - hardware e software. Seus vendedores sabiam negociar como ninguém. Em especial, o Figueira.
Mas o mercado tinha mudado. Os clientes passaram a demandar “soluções” ao invés de produtos. A ACME pela primeira vez, em muitos anos, começou a perder vendas para seus concorrentes. Então chamaram, rapidamente, uma consultoria para criar pacotes de “soluções” e para treinar a sua equipe de vendas.
Logo no início, o gerente já foi dizendo para a consultoria “O Figueira é, de longe, nosso melhor profissional de vendas. Vocês logo vão ver.” A consultoria entrevistou todos os vendedores para saber sobre a formação, as habilidades de negociação e o perfil de cada um. A entrevista do Figueira levou mais de 1 hora. No início ele estava muito nervoso e calado - achando que a entrevista seria usada para demitir pessoas. O entrevistador explicou o processo e conseguiu, pouco a pouco, ganhar a confiança do Figueira - que passou a falar muito...muito mesmo.
A consultoria montou, então, um programa intenso de treinamento - uma semana inteira. Participaram todos os vendedores - sempre de celular em punho. E cada vez que recebiam uma ligação faziam “cara de sérios”, “voz grossa” e saiam correndo da sala. Voltavam com o sorriso largo e voz vitoriosa “mais uma proposta!”. Faziam e enviavam muitas propostas, mas fechavam cada vez menos.
No último dia do treinamento a consultoria avisou que, na próxima semana, visitaria os clientes junto com os vendedores para verificar se eles tinham absorvido bem o treinamento e se estariam utilizando o conhecimento adquirido. E o primeiro seria “o Figueira”.
Marcaram de se reunir uma hora antes da visita ao cliente. O consultor chegou e começou a perguntar “Quem é o cliente, o que faz, o que compra, como compra, quais os projetos em andamento, quais as oportunidades”. O Figueira não havia se preparado e só repetia a mesma coisa “O cliente é suuuper meu amigo. Vamos lá para fechar 2 contratos. Tudo acertado. Fique tranquilo”. O consultor tentou uma última vez, “Figueira, é importante repassar o roteiro da reunião. Temos que saber o que vamos falar e nos preparar para possíveis imprevistos”. O Figueira disparou “o cliente é meu amigo, não vai ter imprevisto, e vamos embora que estamos na hora”.
“Figueira, você não vai levar material algum para deixar com o cliente - nem um folheto?” disse o consultor. “Vamos embora que vamos chegar atrasados” disparou o Figueira.
Entraram na sala do gerente e ele os convidou, imediatamente, para tomar um café na copa. A copa estava cheia. O gerente foi logo envolvido em várias mini-reuniões que estavam acontecendo lá mesmo, na copa. O Figueira e o consultor ficaram esperando. Tomaram vários cafés. Não parecia que o Figueira fosse tão “amigo” assim do gerente.
Voltaram para a sala e o gerente avisou “vou ter que sair para outra reunião em 15 min.” O Figueira logo se adiantou “não tem problema, nossa reunião vai ser muito objetiva, temos apenas que fechar aquelas 2 propostas que você nos pediu na última reunião”. O gerente tinha acabado de voltar de 30 dias de férias. Não lembrava do pedido nem ao menos do que se tratavam as propostas.
“A primeira proposta”, disse Figueira, “era para instalar um servidor de correio corporativo. Veja os nossos preços, os melhores do mercado, e agora estamos oferecendo também serviços. Eu posso instalar e configurar tudo para você. Uma beleza. Te entrego tudo funcionando”. O gerente fez cara de confuso e disse “sabe Figueira, nas minhas férias o pessoal aqui baixou um produto da Internet - de graça - instalaram e já está funcionando. Nossa última reunião foi antes das minhas férias. Acho que já se foram uns 50 dias. Bom, vamos ver a sua segunda proposta”.
O Figueira não sabia onde enfiar a cara. Estava desconcertado. Ele olhou para o consultor como se estivesse falando “isso nunca aconteceu comigo”. O Figueira ainda tentou argumentar “mas você sabe que software livre tem custo, que o suporte é complicado e...”. O gerente interrompeu “Figueira, essa decisão já está tomada. Vamos para sua segunda proposta”.
“A segunda proposta era para automação da sua equipe de vendas - 80 vendedores. Aqui nossos preços são imbatíveis. Vamos entregar os equipamentos com o software já instalado”. O gerente interrompeu novamente, “Figueira, você esteve conversando com alguém da minha equipe enquanto eu estava em férias? Os equipamentos já foram comprados - já está tudo com os vendedores. Olha, vocês vão me desculpar mas tenho uma reunião para discutir um projeto de implementação de uma intranet corporativa interligando todas as áreas de empresa. Figueira a gente se vê.”
O Figueira estava tão desorientado que mal conseguiu se despedir. Saiu de lá com o consultor e pararam no primeiro café para conversarem sobre a reunião.
“É Figueira, grande amigo esse seu. Bem que você disse que não teríamos imprevistos. Perdemos 3 projetos em 15 min” disse o consultor. “Não, foram só 2 projetos” disse Figueira.
“É Figueira, está certo. Bom, além disso eu contei mais de 12 erros de negociação. Vamos ter que rever o material do treinamento...e daqui a uma semana iremos visitar, juntos, um outro cliente” disse o consultor.
O Figueira voltou para a empresa e estudou muito a semana toda. Quando encontrou o consultor novamente, estava muito bem preparado - sabia tudo sobre o cliente - tinha pesquisado na Internet. Estudaram juntos o roteiro da visita - o que iriam falar, o que esperavam do cliente e alguns imprevistos que poderiam acontecer. Desta vez, Figueira levaria também para reunião seu gerente de projetos - especializado em soluções. Foram o caminho todo ensaiando. Chegaram com 15 min de antecedência, mas logo foram informados de que o cliente atrasaria 30 min.
O gerente entrou na sala, pediu desculpas pelo atraso e avisou que só poderia ficar 30 min. O Figueira agradeceu a oportunidade da visita, disse que tinha visto no site da empresa que eles estavam comemorando 25 anos - e o parabenizou. O cliente ficou surpreso e agradeceu o interesse. “Eu tomei a liberdade de ligar para alguns dos seus gerentes para levantar as necessidades da sua empresa. Viemos preparados para falar sobre 3 projetos onde achamos que podemos agregar muito valor, mas como o senhor tem apenas 30 min eu gostaria de falar resumidamente sobre os 3, e, que o senhor me dissesse qual é o mais importante, e então, entraremos em detalhes no projeto escolhido. Os outros dois projetos deixaremos para uma próxima oportunidade. Está bem assim?” O Figueira notou uma mudança de postura no cliente - como se ele estivesse muito satisfeito em ouvir aquilo. Figueira falou sobre os 3 projetos.
“Interessante” disse o cliente “eu achava que vocês eram apenas uma revenda de hardware e software. Não sabia que faziam projetos. E você levantou os três maiores problemas que eu tenho para resolver. Vamos falar sobre segurança”. Começaram a apresentação que contava com o apoio de muito material impresso e eletrônico. O cliente chegava cada vez mais perto da tela. Figueira sabia que isso queria dizer que ele estava interessado. Figueira ia anotando na frente do cliente, todas as observações, pendências e próximos passos. Em exatos 30 min acabaram a apresentação e, coincidentemente, a secretária estava na porta chamando o gerente para a próxima reunião. “Silvia, avisa o pessoal que vou me atrasar 30 minutos” disse o cliente “por favor, você conseguiria apresentar as outras 2 soluções nesse tempo?”
Saíram de lá com a tarefa de enviar, urgentemente, 2 propostas e apresentar a terceira solução para a equipe de desenvolvimento. Sucesso total.
E então, Tio Salim, o que aprendemos da história do Figueira?
“Preparação é tudo” disse o Tio Salim “não dá para ir para um cliente sem se preparar. Tem que montar um roteiro, tem que estabelecer um objetivo e estar preparado para imprevistos”.
“Dago” disse o Tio Salim “eu vi alguns outros pontos importantes aqui na história. Vendedor tem uma arrogância impressionante. Cansei de ter vendedores “Figueira” na minha loja. Eles acham que sabem de tudo e que ter lábia é o que importa para vender. Tenho exemplo até aqui dentro de casa, com vocês. Vocês não queriam participar dessas aulas porque achavam que já sabiam de tudo - é típico de vendedor arrogante. Também vi que não existe essa coisa de cliente amigo. O cliente está lá para comprar bem e você está lá para vender bem. Os dois têm que se preparar para a reunião. O vendedor tem que se preparar mais ainda porque ele será o maestro da reunião”.
“Dago” continuou o Tio Salim “só não sei como não despediram o Figueira logo depois da primeira visita”.
Tio, tem vendedor que “se vende” muito bem. A empresa acha que ele é o máximo, mas quando começamos a olhar mais de perto ou analisar indicadores de desempenho, vemos que a situação é outra. Depois que voltamos da primeira visita fomos analisar os indicadores do Figueira. De cada 10 oportunidades qualificadas ele conseguia mandar 5 propostas e fechava 1. Os demais vendedores de cada 10 oportunidades mandavam 5 propostas e fechavam 3, portanto, eram mais eficientes. É que o Figueira trabalhava com um número maior de oportunidades qualificadas do que os outros vendedores, então, no final das contas as vendas fechadas eram iguais - só que representando um custo muito maior para a empresa.
Outra grande diferença: o Figueira era muito bom em comemorar e divulgar quando tinha fechado uma proposta. E daqui todo mundo ficava com a impressão que ele era o melhor vendedor.
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