Conversando com o Tio Salim sobre Vendas
28. Vinícola Aurélia e a empresa ACME
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Negociação é uma arte. Envolve pessoas e emoções. Você nunca tem o domínio total das informações. Na negociação temos que ter um objetivo muito claro que é fazer com que os dois lados fiquem satisfeitos. Já vimos, muitas vezes, duas negociações serem tratadas, praticamente do mesmo jeito, mas chegando a conclusões totalmente diferentes.
Hoje teremos uma aula diferente. Passei o final de semana brincando de escritor e fiz um texto em formato de peça teatral. Acho que ficou muito legal...
Introdução
Ator: Vinícola Aurélia - o cliente
A vinícola é de porte médio e está no negócio de vinhos há mais de sessenta anos. Cultiva suas próprias vinhas e fabrica todas as variedades de vinho, mas é especializada em Chardonnay. Também opera como engarrafadora, rotuladora e empacotadora.
Com a aproximação da época de férias, a Vinícola Aurélia pretendia conseguir uma boa fatia do mercado com uma grande campanha publicitária. A campanha publicitária levou meses para ser elaborada e as primeiras ações promocionais ocorrerão dentro de 3 semanas. Para gerenciar a campanha, a vinícola vai precisar de um sistema de CRM (Customer Relationship Management - Gerenciamento da Relação com o Cliente) que controle desde o recebimento das chamadas telefônicas até a medida do resultado da campanha, uma vez que os revendedores receberão comissões especiais nos vinhos Chardonnay.
O tempo é primordial, o sistema precisa estar implantado em 3 semanas. O orçamento para esse projeto é de R$ 100.000,00.
Ator: Sérgio, gerente de tecnologia da Vinícola Aurélia
É sério e carrancudo, fala pouco, muito detalhista e perfeccionista. Está sempre com muitos papéis na mão, correndo de um lado para outro, sempre apressado.
Ator: Empresa ACME Desenvolvimento - o fornecedor
A ACME desenvolveu uma solução de CRM, com banco de dados de clientes e um sistema que controla desde o atendimento telefônico até o controle de e-mails enviados aos clientes.
A empresa, embora nova no mercado, tem bons casos de sucesso e a estratégia atual é vender o produto pronto, evitando fazer personalizações, pois todos os desenvolvedores da ACME estão alocados no desenvolvimento de uma nova versão - que será o grande diferencial competitivo da ACME no mercado.
A licença do produto é vendida por R$ 210.000,00 (versão para 5 usuários) acrescidos de mais R$ 40.000,00 para a instalação e treinamento dos usuários.
Ator: Figueira, vendedor antigo na ACME
É do tipo “bonachão”, gosta de um bom papo e de boas piadas. Está sempre de bom humor.
Ato I - Esquecemos da tecnologia...
A vinícola Aurélia estava com toda a promoção pronta para o lançamento. A diretoria, reunida, acertava os últimos detalhes. E então, um dos diretores perguntou “Senhores, quem ficou de cuidar da tecnologia?”....Oops...todos se entreolharam e....“Esquecemos da tecnologia! Chamem o Sérgio imediatamente! Porque ele não está nesta reunião?” - bom, o pessoal sempre esquecia de chamar o Sérgio...
“Sérgio”, disse o Presidente, “precisamos com a máxima urgência de um sistema para registrar todas as chamadas telefônicas dos interessados, para apoiar as pessoas que estiverem dando informações, para registrar todos os pedidos de vendas, e, para calcular a comissão que daremos para os revendedores. Ah, temos que ter tudo isso funcionando em 3 semanas. É melhor você correr.”
Ato II - A procura...
Sérgio saiu ligando para todos os fornecedores de tecnologia que ele conhecia. Foram dezenas de telefonemas. Os dias foram passando e Sérgio estava preocupado e estressado - já achando que seria impossível arrumar alguém que pudesse atendê-lo naquele prazo. E, então, ligou para um amigo antigo que recomendou a ACME Desenvolvimento - “eles são pequenos mas o produto é bom” disse a Sérgio - que logo correu para a Internet para procurar o telefone da ACME.
Viva, finalmente!
Ato III - Encontrei...
Sérgio ligou para a ACME e logo foi direcionado para o Figueira. Sérgio estava ansioso demais, explicou rapidamente o problema e perguntou se a ACME poderia ajudá-lo. “Sim, temos um produto que cobre quase todas as suas necessidades, mas...” e Sérgio interrompeu Figueira “precisamos nos reunir imediatamente. Em quanto tempo você pode estar aqui? Em 30 minutos? Estamos aguardando por você.”
Figueira estava até tonto de tão rápido que o Sérgio falou ao telefone. Bom, pelo menos seria uma venda bem fácil. Figueira pegou seu notebook e correu.
Ato IV - Você tem que me ajudar...
“Muito prazer, meu nome é Figueira, sou o gerente de vendas da ACME. Fiquei muito impressionado com a exposição de vinhos que vocês têm na recepção, eu...”
Sérgio, muito nervoso e agitado, interrompeu Figueira e começou a explicar todos os requisitos que o sistema deveria ter. “Temos apenas 2 semanas para instalar tudo. Vocês têm que me ajudar”.
Ato V - O conflito...
“Sérgio, nosso produto cobre 90% do que você precisa, teremos que desenvolver o módulo de registro das vendas com o comissionamento. Para entregar em 2 semanas eu teria que alocar metade da minha equipe de desenvolvimento nesse projeto, e estamos em fase final de desenvolvimento da nova versão. Antes de qualquer coisa eu precisaria consultar o presidente da ACME”.
“2 semanas para adaptar o produto? Parece muito tempo para pouca coisa. E se der alguma coisa errada? Não podemos passar de 2 semanas” disse Sérgio.
Figueira começou a ficar muito preocupado porque Sérgio não estava ouvindo e eles sequer tinham falado de preços.
“Por favor, Sr. Sérgio, eu não estou me comprometendo com datas. Sequer sei se podemos atender sua empresa. Preciso falar com meu presidente. O senhor entende que essa urgência implicaria em custos adicionais, certo?”
“De quanto estamos falando?” perguntou Sérgio certo de que possuía o suficiente para o produto e para os custos de “urgência”.
“A licença do produto é oferecida por R$ 210.000,00 - versão de 5 usuários - acrescido de mais R$ 40.000,00 para a instalação e treinamento dos usuários. E, é claro, temos o custo de desenvolvimento - 2 desenvolvedores por 2 semanas - praticamente dobraria o preço do produto” disse Figueira rascunhando os números na frente de Sérgio.
Nesse momento vamos parar a leitura da peça teatral e ver o que está acontecendo. Estamos diante de um conflito negocial. Sérgio achava que tinha achado a solução perfeita com um preço que ele poderia pagar. Foi totalmente surpreendido.
Que reações poderia ter o Sérgio? Ficaria pálido, abatido? Ficaria irritado? Acharia que o Figueira está querendo explorar por conta da urgência? Continuaria a negociar? O que faria o Figueira?
Eu acabei adotando um final que, eu diria, é o que a maioria dos vendedores mais experientes faria. Vamos ver.
Último Ato - Grand Finale
“Figueira, temos um grande problema. Eu tenho menos da metade desse valor. Mesmo com toda a urgência eu não tenho como aprovar verba adicional para esse projeto”.
“Sérgio, agradeço sua franqueza, mas o problema é ainda maior. Eu não sei se vou ter o produto para entregar. Vou sair, por 5 minutos, para ligar para meu presidente e discutir sobre o desenvolvimento que você precisa”.
Figueira sabia que não ia ser uma conversa fácil. Deslocar os profissionais da equipe de desenvolvimento em fase final do projeto seria praticamente impossível. Por outro lado, na atual conjuntura do mercado, vender mais uma cópia do produto faria muita diferença. Figueira tinha que pensar em uma forma criativa de satisfazer os dois lados. Mas de que forma?
Figueira havia explicado a situação em detalhes para Nestor, o presidente, e a resposta foi um redondo e sonoro “NÃO”. “Não podemos prejudicar nossa estratégia e nossos compromissos por conta de um cliente que sequer tem o dinheiro suficiente para nos pagar. E depois teremos que dar manutenção em uma versão antiga”.
Figueira tinha “estudado” o perfil do Sérgio - sabia que era honesto, franco e do tipo que ficaria imensamente grato se conseguisse ajudá-lo. E, gratidão no mundo dos negócios significa novos projetos e novas vendas.
Criatividade...criatividade...era isso que o Figueira mais precisava nessa hora...ele não era de perder uma negociação. “Nestor, eu tive uma ideia. E se vendêssemos a versão nova do produto para a Vinícola Aurélia. Eles seriam nosso primeiro cliente, nosso grande caso de sucesso, nossa grande referência para o mercado. Normalmente damos incentivos para o primeiro cliente - pois então, o incentivo para a Vinícola seria um belo desconto no valor do produto. E o desenvolvimento que eles estão pedindo faz sentido para o produto. Poderíamos incluir e vender como parte do produto. Seria uma excelente relação ganha-ganha”.
Aplausos
Belíssimo final feliz
“Dago", disse o Tio Salim, "eu acho que o Figueira e Sérgio discutiriam exaustivamente sobre o preço e provavelmente não chegariam a uma conclusão ganha-ganha. Aqui teríamos 2 desfechos possíveis:
• No primeiro, o Figueira iria embora sem fazer a venda. Sérgio teria que arrumar outra solução tecnológica ou adiar sua campanha.
• No segundo, o Sérgio conseguiria a aprovação do orçamento extra e pagaria o produto e o desenvolvimento.
Nos dois casos o relacionamento entre as duas empresas estaria comprometido e dificilmente Sérgio compraria de Figueira novamente”.
Tio, o que o senhor diria que foi o fato mais importante para o sucesso da negociação?
“Dago, acho que foi Ouvir, Pensar e Falar” disse Tio Salim “Figueira ouviu atentamente o problema de Sérgio, leu adequadamente o “perfil comportamental”, pensou em como conseguiria montar uma relação ganha-ganha mesmo com todos os fatores adversos, e ao fim, negociou com o cliente e, principalmente, com a empresa dele. Muitos vendedores esquecem de negociar com suas empresas”.
Isso mesmo: Ouvir, Pensar, Falar.... e AÇÃO
Negociar é uma arte. Eu uso muito o esquema de “teatrinho” para exercitar as teorias e melhores práticas, viu Emir...Em Inglês chamamos isso de ROLE PLAY. É sempre muito importante tentar visualizar as reações do cliente e se antecipar com possíveis cenários.
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